quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

AS GROTAS CONDENADAS

François Silvestre


O Mirante de Mãe Guilé, que será inaugurado no dia Dezoito Desbrumário, será um palanque da natureza exposto à visitação pública sobre a sacanagem da população local e a omissão oficial com a destruição do meio ambiente numa pequenina e bela serra de um pedaço de terra abandonado pelo poder público e destruído por seus habitantes.

A população de Martins, população e não povo, pois isso aqui não há, nas últimas cinco décadas, vem num processo acelerado e celerado de destruição da sua moradia. É uma coisa quase indescritível. São caçadores, broqueiros, gaioleiros e outros tipos de duendes do mal. Da fauna típica da serra restam pouquíssimas espécies.

Da vegetação, na chã e nas grotas, nada escapa ao espírito destruidor e predador sem freio e sem controle. A paisagem arquitetônica dos tempos de minha infância há muito foi desmontada ou deformada. Só escapa alguma edificação quando dela toma posse algum maluco conservador.

As queimadas nas grotas, para plantar milho e feijão, culturas não vocacionais da serra, onde cada roçado não produz nem para uma canjicada de Eraldo Porciúncula, transforma a serra numa chaga de catapora descendo e subindo as grotas. Do Mirante, esse quadro é estarrecedor. Que inveja dos habitantes de Guaramiranga. Gente que zela por sua casa.

Dos dezessete olhos d’água que acompanhavam a dobrada da serra desde a Pedra Rajada, passando por lagoa Nova e chegando até a descida da estrada para o sertão, só restam três.

Catorze foram mortos pelas queimadas e a sequidão que elas produzem. Inanição das aguadas, escassez de inteligência e carência de dignidade ecológica.

Tudo agasalhado, protegido, premiado pela cumplicidade do poder público. Prefeitura e Câmara de Vereadores. Elaborei há alguns anos um projeto de lei de Proteção ambiental do município. Fizemos uma reunião na Câmara. Todos os vereadores estavam presentes. Todos concordaram com a Lei. Só na conversa. Apareceram os eleitores das caças, dos broques e das gaiolas. A lei, “muito elogiada”, foi para a gaveta onde deve estar até hoje. Se não foi para o lixo.

Aqui não tem Procuradoria do Patrimônio nem do meio Ambiente. Não tem IBAMA. Não tem IDEMA. As letras maiúsculas não são de respeito, são de ironia. A inutilidade não merece respeito.

Um Estado tão pequeno de território não precisava ser menor ainda de administração pública. Estadeco.

Logo, logo, essas serras potiguares serão desertos escavados em lombadas de saudosos vulcões que deveriam ter transformado esse paquiderme de merda numa grande e perfumada fossa.

Pensa você, meu caro leitor, que eu estou cansado? Engana-se. Tô cansado dessa gente. Da luta, não.

Dela só cansarei no despejo da vida.. Vou continuar apontando patifes e patifarias. Companheiro de cada sagüi atingido de morte. Do sanhaçu deserdado da liberdade e de cada ipê sangrando no fogo. Té mais.

domingo, 7 de novembro de 2010

PROFISSÃO

François Silvestre
Se for a de ganhar a vida, fazer a feira, bancar a fisiologia orgânica (a necessária e boa, não a fisiologia política) sou Procurador. Não sou advogado, stricto sensu. Tenho apenas um cliente que é o Estado e a fazenda pública estadual.

Se for a que me produz um conhecimento com outros mundos e pessoas várias, me empurra para a imaginação e construção dos meus personagens e o mundo que eu controlo, sou escritor.

Mas a verdade verdadeira mesmo é que nenhuma dessas é a minha profissão de felicidade. Da alegria de viver, que é tão somente tentar manter parte do mundo e da vida que os olhos de criança fotografaram e não revelaram para os olhos dos outros, só há uma profissão que me assegura esse prazer. E é o que eu sou. Apenas um jardineiro.

A memória da mais robusta e próxima condição de ser feliz vem de um curto período da minha infância no jardim da casa da minha avó. Intervalo entre a morte do meu pai adotivo e o assassinato do meu pai legítimo.

O jardim de Mãe-Guilé tinha um conluio com ela que parece mentira de contar. Se um resedá murchasse, bastava o afago de suas mãos molhadas para no dia seguinte soltar rebentos de brotos. Era de lá que se abastecia a igreja matriz da cidade, com flores de todas as cores enfeitando os altares.

Às vezes fico pensando que a minha vida não tem sido muito mais do que a tentativa de recriar aquele jardim.

Até a edificação do mirante que leva seu nome, agora descubro, foi um pretexto para procriar um jardim. Os jardins são paridos, da mesma forma que as crianças. Mesmo que o parto seja bem diferente.

Um jardim não tem começo, meio nem fim. Cada planta do seu corpo é tempo e espaço. Diferente do museu, guarda o futuro. Semelhante à biblioteca, não sobrevive ao dono.

As plantações dos condomínios, dos hotéis de luxo, das praças públicas são arborizações ornamentais. Não são jardins. O jardim é o noivo da natureza, diferentemente do noivado humano é ele que chega atrasado à cerimônia. Ou melhor, nunca chega. Porque o jardim nunca pára de nascer.

Quando a chibanca abriu a primeira vala da fundação do mirante, abriu-se também a terra para receber a primeira muda de flores. E na companhia de coqueiros, mangueiras e cajueiros foram crescendo sete-léguas, malvões, ipoméias, dedais, camarões, trombeteiras, murtas, manacás, buganviles, roseiras, camarás, guarnecidas todas pelo cerco dos cassis.

Assim está nascendo o jardim do mirante. Que disputará uma luta inglória com a beleza da paisagem de se ver ao longe, em camadas do azul, as silhuetas de várias cidades. De dia as formas que o sol modula, diferente a cada hora. À noite, o frevar das luzes imitando as estrelas e inventando dois céus. Um em baixo, perto dos olhos. Outro em cima, perto do sonho. Té mais.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

DE RICARDO LEMOS

Caro François;

Boa noite e bom frio de agosto, coisa rara e boa.

Já te disse o quanto gostei de Esmeralda. E gostei tanto que indico, reendico

e adotei como presente para amigos e leitores exigentes por esse país afora.

Tenho espalhado Esmeralda com muito prazer e uma ponta afiada de orgulho.

Mas o bom é que os que recebem aderem ao espalhamento e assim vai Esmeralda

espalhando nosso sertão. Agora mesmo, de partida para uns dias em SP levo dois

no matulão. Ambos a pedidos e como encomendas recomendadas com o peso e

o valor de presentes do dia dos pais.

Deu trabalho pra achar. Na Siciliano, depois de correr olho nas prateleiras, recorri

a atendente que afirmou haver em estoque. Não achando, recorreu ao computador.

E confirmando o estoque zero estranhou e disse;

- ...estranho. Era para ter; a moça trouxe muitos da última vez.

Respondi que adorei a informação e acho que ela não entendeu, porque sai mais

satisfeito do que se tivesse achado. Fui achar na Banca da Afonso Pena e trouxe

os últimos. Senão ia o meu mesmo...

Bote Esmeralda na rua, amigo, que é mercadoria fina, rara e deliciosa.

Mas vou te deixar em paz, torcendo pro Sr. parir logo outro mimo pra nós.

Abraços e inté a cerveja que nos devemos - com o mestre Lau, de preferência.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A CASTANHOLA DE CASCUDO

Pouco mais de dez por cento restam das árvores nativas nas encostas das serras potiguares. Ipês roxos, azuis e amarelos praticamente extintos. Angicos e trapiás desaparecidos. Mororós, raridades. E o processo de assassinato das poucas matas restantes continua em acelerado ritmo de execução. Sem uma palavra de alerta. Sem um gesto de qualquer órgão defensor da natureza. Sem um lamento na grande imprensa.

Mas a retirada de uma castanhola senil, de tronco oco, beira da morte, causou furor e protesto na vida cultural da cidade. Uma cultura que vai tão bem, ao ponto de ter tempo para espernear em favor de uma única planta sem futuro.

Tudo porque Cascudo, num momento de pileque ou gozação, chamou-a de “a árvore da cidade”. A vetusta combretácea não merecia honra tão nobre.

Qual a serventia real das castanholas? Sombra? Há uma infinidade de árvores mais úteis com sombra melhor. Até mesmo o pau-brasil tem melhor currículo. Serve pra lembrar da ladra coroa portuguesa, que ao vir para o Brasil só trouxe um príncipe fujão, uma princesa promíscua, pardais e palmeira imperial. Por falar em palmeira imperial, essa é outra árvore sem qualquer serventia. O caule é um monstrengo, não dá frutos nem sombra e sua ornamentação fica para o olhar das nuvens. Oswaldo Lamartine me disse certa vez que a palmeira imperial carrega consigo uma maldição. Quando a parte verde do seu caule ultrapassa a cumeeira, alguém da casa adoece seriamente ou a família entra em declínio financeiro. A castanhola só serve para quebrar calçadas e atrair morcegos.

Fico imaginando a cena. Cascudo recebera um reparo de Hélio Galvão sobre a denominação de Fortaleza em vez de Forte. A sinonímia, das duas palavras, nos dicionários só vai até o alcance vernacular. No sentido histórico-militar Fortaleza e Forte não são sinônimos. A Fortaleza é uma praça fortificada, podendo ter vários fortes, com poder de fogo muito acentuado. O Forte é uma edificação única, com poder de fogo limitado. O “Reis Magos” é um forte, não uma fortaleza.

Cascudo vem do mangue, na boléia da camioneta de Roberto Freire, ao lado de Luiz de Barros. Passam pela frente dos Correios, dobram pela Alfândega à esquerda e param no início da Duque de Caxias, donde se vê o Banco do Brasil. Desce do carro, acende um charuto, olha para uma castanhola, que cisma de continuar verde no calçamento, e brada: “Para quem duvida das fontes de Cascudinho, eu nomeio essa castanhola solitária a Árvore da Cidade. Uma é símbolo da outra que não consagra nem desconsagra ninguém”.

Hélio Galvão não tomou conhecimento. Nem Esmeraldo Siqueira. Mas Cascudo, merecidamente, virou celebridade mundial. E a castanhola virou “árvore da cidade”, o que não quer dizer coisa nenhuma. O Machadão não é o poema de concreto?

Tudo numa terra onde o símbolo cultural vale mais do que a cultura propriamente considerada. Té mais.
 
François Silvestre

OBRA E PLANEJAMENTO

Não se pode negar a importância dessa obra de adutoras para o abastecimento de água potável onde a escassez é secular. Não se nega. Porém, só o transporte da água não resolve o problema. Ou cria outros problemas.

Vejamos o caso da adutora do Alto Oeste. A barragem de Santa Cruz, no Apodi, será a fonte fornecedora de água para várias cidades. Beneficiando um número considerável da população. Tudo bem. E a pergunta: A água transportada será de boa qualidade? Hoje é. E amanhã? À montante do reservatório há um grande número de pequenas e médias cidades que não possuem nenhum sistema de tratamento sanitário. Todas elas jogando lixo e merda no leito do rio Mossoró/Apodi, que abastece a barragem. Os seiscentos milhões de metros cúbicos da sua capacidade hídrica não serão suficientes para a diluição dessa sujeira toda, principalmente após a vazão das adutoras e programas de irrigação. Acentuado-se o agravamento do problema no ano de inverno escasso. As únicas cidades que estão promovendo obras de tratamento sanitário são Viçosa e Riacho da Cruz. Exatamente as duas menores.

O rio principal da bacia passa na área urbana de Pau dos Ferros, a maior cidade da tromba. Ele é o esgoto natural da cidade. Ou se inicia urgentemente um processo de tratamento sanitário a partir de Pau dos Ferros, em todo o caminho do Rio Apodi, ou o sistema de adutora do Alto Oeste será num futuro próximo o condutor moléstias em vez de ser o semeador das águas.

Daí porque só a obra das adutoras não é suficiente. Posso tranquilamente afirmar que ela fará muito mais mal à população, sem a prevenção sanitária, do que deixar o atropelo da escassez d’água com se encontra.

A nojeira disso tudo é que o poder só pensa nas eleições. A adutora com seus grossos canos, margeando as estradas, é uma coletora de votos. A visibilidade produz propaganda sem necessidade de outros custos. O saneamento não tem visibilidade. O eleitor, também culpado e responsável por essa prática, não se dá o respeito de informar-se do que não vê. E vai feito boiada tocada pelos tambores da enganação, muitas vezes ou quase sempre se vendendo por favores que são financiados pelo seu próprio dinheiro, ou seja, a grana pública. Que de tão “pública” é distribuída para azeitar eleições e desfibrar um povo ainda em formação; pré-povo.

Saneamento é vacina genérica, que não precisa furar o braço nem amargurar a língua. Ainda está em tempo. Mas não sobra tempo. Ou se faz isso, como obra agregada, no programa completo, ou se transfere para o amanhã, quase hoje, um problemão bem mais vistoso do que cada cano da adutora. E aí talvez não haja mais tempo.

Se não houve planejamento para a prevenção e a manutenção da qualidade potável da água, urge fazê-lo.

Pior do que a sede é a água temperada com lixo e fezes. Té mais.
 
François Silvestre

Rubens Lemos

CRAQUE EM PRIMEIRO LUGAR .


Recebe a pecha de ultrapassado(no mínimo), quem defende, por convicção, o talento em primeiro lugar. O brilho de um estilo, o sol de uma virtude, a elegância de um especialista. Hoje, segue como entulho mais indesejado ao armário dos esquecimentos, quem valoriza e exalta a superioridade do craque.


Em qualquer campo, de futebol ou de vida, haverá alguém a ser olhado com a expectativa da cortina a ser aberta, da interpretação mágica num filme, do drible sensual e do chute, com efeito, gol feito sutilmente, devagar, ritmo da bola em perfeito compasso com o do coração dominado. Delícia de orgasmo.


Não é preciso ser diferente para apreciar os que estão acima da média. Basta ter a humildade de medir a exatidão dos seus limites. É o que faço, até como um mantra a me acompanhar todos os dias.


Só os craques se adaptam sem se acomodar, improvisam, saltando, soberanos, do capim morto do lugar-comum, para o verde brotado da chuva, das imediações dos açudes inspiradores da poesia.


Acabo de encerrar um livro. Não mais um. O. Livro que é livro é aquele que se faz locutor mudo da grandeza das palavras simples, bonitas, tecidas, polidas com a paciência dos ourives em seus diamantes.

É Esmeralda, o Crime no Santuário do Lima, de François Silvestre. Emociona os regionalistas, contagia quem faz da leitura, companhia, do romance, novela de imaginação fértil. Tão mágico, que segura a atenção muito depois do além-fim.


François, do alto da Serra do Martins, inspirado pela ilha de temperatura amena, no arquipélago de calor oestano, produziu uma peça. Literária. Sem arrogâncias ou boçalidades, tão anti-holofote que nem lançamento em livraria fez. Comprei numa banca. O último exemplar que tinha.


O François, que um dia, rebelde contra a Ditadura Militar, foi escalado para a editoria de esportes de um jornal, a Tribuna, junto com um velho amigo e irmão de luta(ainda havia, sim, idealismo), ligado a mim por amor e sangue. Era no esporte que se exilavam os inconformados com a repressão.

O François, que sem acompanhar pouco ou nada de futebol em 1973, construiu, o que até hoje é o melhor texto sobre Alberi, Deus das alegrias libertárias das gerais e arquibancadas do elefante.

Os dois eram craques, os dois se entenderam.

Assim se eternizam.

EM CAJUAIS DA SERRA

Entrevista com Chico Preá.

O repórter da Revista Tijuaçu descobriu, não sei como, que Chico Preá estava em Cajuais da Serra. Não disse que era uma entrevista. Puxou conversa e começou a perguntar.

Revista Tijuaçu- Como você vê a política do Brasil? Chico Preá- Tapo o nariz e arregalo o olho. RT- O que é a Esquerda? CP- Uma merda. RT- E a Direita? CP- Uma fossa. RT- O que é a poesia? CP- Nem os poetas sabem. RT- Pra que serve a literatura? CP- Pra tirar o gosto, quando a vida vira um porre. RT- O que é a vida? CP- Uma viagem de trem. RT- Quem foi Cristo? CP- Quem foi eu não sei. Mas hoje ele é a botija dos espertos. RT- Quem foi Marx? CP- Um gênio desperdiçado. RT- O que são as igrejas? CP- Balcões de receber grana, sem recolher impostos. RT- O que é a fé? CP- Um repelente de angústias. RT- O que é a ignorância? CP- A erudição dos pedantes. RT- O que é erudição? CP- Um mealheiro de informações. RT- Pra que serve a leitura? CP- Pra sossegar o quengo. RT- O que é a imprensa? CP- Uma lata de siri. RT- O que é a mídia? CP- Um tonel de siri. RT- O que é a cultura? CP- A alma coletiva. RT- O que é povo? CP- Um molusco sem o lê. RT- O que é a Pátria? CP- Coturno e tarol nas ruas do dia sete. RT- O que é a verdade? CP- O silêncio. RT- O que é um clichê? CP- O michê da ignorância. RT- Quem foi Einstein? CP- Um gênio aproveitado. RT- E Newton? CP- Um gênio substituído. RT- O que é a música? CP- O ruído organizado. RT- O que é a justiça? CP- Uma ilusão togada. RT- O que é um intelectual? CP- Individuo estudioso que pensa ser segredo dele o conhecimento adquirido. RT- O que é um filósofo? CP- Um sujeito que briga com ele mesmo. RT- O que é a inveja? CP- O coma moral. RT- O que é um romance? CP- Uma história longa, que enfada os maus leitores. RT- O que é um bom livro? CP- Aquele que você chega à última página. RT- E um livro excelente? CP- Aquele que levará você de volta à primeira página. RT- O que é um crítico? CP- Um observador rigoroso, que valoriza a arte mesmo se não gostar dela. RT- O que é a história? CP- O curral da espécie humana. RT- O que é um jovem? CP- Um projeto de velho. RT- E o que é um velho? CP- Um sobrevivente da ilusão. RT- O que é a morte? CP- O retorno ao antes da vida. RT- O que é o Estado? CP- Um armazém de burocratas. RT- O que é Governo? CP- Um síndico que não presta contas aos condôminos. RT- O que é um leitor? CP- O único alvo da literatura. RT- O que é um candidato? CP- Uma simpatia bissexta. RT- E o eleitor? CP- Um cúmplice da enganação. RT- O que é a amizade? CP- A relação humana que dispensa o desejo, o interesse ou a cobrança. RT- E a inimizade? CP- A única relação humana completamente honesta. RT- Pra encerrar, diga um sonho. CP- Nunca ser preciso tirar documentos.

Nisso, já bêbado o repórter, Chico Preá esporou Suspiro e se mandou. Té mais.
 
François Silvestre

quinta-feira, 22 de abril de 2010

A ESMERALDA DE FRANÇOIS


“O alvo certeiro da vida é atingir o medo. O alvo da escrita é o leitor. O que gosta de ler para concluir por si mesmo. Sem esperar o gosto alheio.” François Silvestre de Alencar

Esta semana acabei de ler o já inesquecível ‘Esmeralda: Crime no Santuário do Lima’. François Silvestre de Alencar, em sua melhor forma, confirma ser o melhor entre os ficcionistas em atividade por estas bandas. De longe, arrisco dizer. Talvez pela profunda compaixão com que ele banha os personagens que descreve ou (re)inventa.

‘Esmeralda’, além de deliciosa leitura − quase gruda na gente −, é um roteiro de cinema praticamente pronto. O romance contemporâneo mais vital e visualmente buliçoso de que consigo me lembrar*. Patu e a Serra do Lima e a riquíssima fauna humana que habita e flutua por lá agora são agora matéria universal; a terra de Rodrigo Levino pode encomendar o monumento ao autor; mesmo contra a vontade dele, que, avesso a tietagem, se recusa até a fazer as proverbiais noites de lançamento e autógrafos. *(Ando pensando num jeito desse livro chegar às mãos de Karim Aïnuz…)

Falei em “fauna humana que habita e flutua”, porque a maior parte dos protagonistas de ‘Esmeralda’ converge do Ceará, Paraíba e de outras bandas do Rio Grande para o Santuário de N. Sra. dos Impossíveis, na Serra do Lima, onde se concentra a ação. Ao longo da trama, endiabradamente bem urdida, cheia de surpresas e falsas pistas, há um vai-e-vem constante de almas buscantes, uma querência errante que faz pensar num caráter andejo do nordestino, para quem a romaria talvez seja apenas a face ritualizada de uma instabilidade espacial mais profunda, imposta pelas circunstâncias ou, quem sabe, constitutiva mesmo da nossa cultura de povo mestiço e novo; ou de “pré-povo”, como prefere François.

Como um autêntico herdeiro de Chaucer e da tradição do contamento de histórias, comum a todos os grupamentos humanos que nalgum dia imemorial se reuniram em noite escura ao redor de fogo ou fogueira para espantar frio e medo, François lança seu olhar agudo (mas sempre compassivo) e usa a verve narrativa que tem de sobra para dar vida a romeiros, clérigos, ciganos, doidos de vários matizes, ricos, ralé e remediados. A maioria de seus personagens fica carimbada inescapavelmente na nossa cabeça de leitor. E tudo isso sem floreios lingüísticos ou maneirismo oco, e sem forçar a mão numa picaresquice meio previsível que abunda por aí. Rola uma putaria aqui e acolá, mas com medida.

Quer uma leitura prazerosa? E, de quebra, dar uma banda em alguns becos mal-iluminados das paixões humanas? Pois vá atrás do gingado fatal da cigana Esmeralda pelas ladeiras do Santuário do Lima. E atenção nas pitadas de sabedoria que saltam do “caderno de Netarino”, com que François pontua a narrativa. Sou capaz de apostar que não se arrependerá.

Independentemente de ter ou não raízes ou interesse no mundo do Sertão. Que aqui o Sertão é matéria e pretexto; por acaso é o universo cultural e estético que formou o autor, que o conhece a fundo e sabe trazê-lo pra perto de nós. Porque no final das contas, o que desfila na trama de ‘Esmeralda’ é tragicomédia humana: a nossa tragicomédia

Por Chico Moreira Guedes
Revista Quartoze

terça-feira, 16 de março de 2010

François Silvestre - 1º Suspense



Num lugar onde só morassem ciganos, políticos, chefes de igreja e donos de jornais ninguém sobreviveria. Pois não haveria ninguém pra ser enganado ...

... A memória é o olho do recluso. A janela do trem imóvel. Só ela passa. Só ela corre. Tudo se mostra no palco da memória. Ela inventa cores. Imita sons. Desenha personagens num incansável palimpsesto. Apaga e faz de novo. Por ar no nariz, claro na retina, sangue no coração. Memória não é lembrança. Lembrar é domínio do acaso. Sem controle. Lembrar tem a ver com afeto ou interesse. Memória, não. A memória é um prêmio e um castigo.



Dispenso apresentação;
Eu não sou nada!

No meio de tantos que se acham tanta coisa.
Não canto palmeiras nem jangadas.
Desafinado ainda procuro a oitava nota.

Escritor pequeno - de insignificante literatura.
Saio caçando leitor.
No singular.
E me divirto no meio das luzes de poucas velas.
Que o tempo vai apagando antes do tempo.

Vento cruel, apagador de vaidades.
Ao soprar nos becos os restos mortais dos Poetas e gênios da Cidade.

Ele me faz lembrar que sou planície.
O mar não tem elevações.

Só nos maremotos e tempestades.
No sossego ele é reto.
Liso e monótono.

Gosto das montanhas!
Foi assim que as pequenas serras se fizeram.
Para os meus olhos de criança.

O mar só muda de contorno.
Das suas praias.

Cada momento tem um azul diferente.
Um sertão de vários cinzas.
Um movimento sensual de nuvens.
Fazendo sexo no céu.
Hermafroditas e promíscuas.


NAS MELHORES LIVRARIAS E BANCAS DE JORNAIS.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Nordestino

É ASSIM QUE A GENTE FALA – ISMAEL GAIÃO DA COSTA


Ismael Gaião da Costa

Há diferenciação
Porque cada região
Tem seu jeito de falar
O Nordeste é excelente
Tem um jeito diferente
Que a outro não se iguala
Alguém chato é Abusado
Se quebrou, Tá Enguiçado
É assim que a gente fal
Uma ferida é Pereba
Homem alto é Galalau
Ou então é Varapau
E coisa ruim é Peba
Cisco no olho é Argueiro
O sovina é Pirangueiro

Enguiçar é Dar o Prego
Fofoca aqui é Fuxico
Desistir, Pedir Penico
Lugar longe é Caxaprego
Ladainha é Lengalenga
E um estouro é Pipoco
Qualquer botão é Pitoco
E confusão é Arenga


Fantasma é Alma Penada
Uma conversa fiada
Por aqui é Leriado
Palavrão é Nome Feio
Agonia é Aperreio
E metido é Amostrado
O nosso palavreado
Não se pode ignorar
Pois ele é peculiar
É bonito, é Arretado
E é nosso dialeto

Sendo assim, está correto

Dizer que esperma é Gala
É feio pra muita gente
Mas não é incoerente
É assim que a gente fala

Você pode estranhar
Mas ele não tem defeito
Aqui bala é Confeito
Rir de alguém é Mangar

Mexer em algo é Bulir
Paquerar é Se Inxirir
E correr é Dar Carreira
Qualquer coisa torta é Troncha
Marca de pancada é Roncha
E a caxumba é Papeira

Longe é o Fim do Mundo
E garganta aqui é Goela
Veja que a língua é bela
E nessa língua eu vou fundo
Tentar muito é Pelejar
Apertar é Acochar

Homem rico é Estribado
Se for muito parecido
Diz-se Cagado e Cuspido
E uma fofoca é Babado
Desconfiado é Cabreiro
Travessura é Presepada
Uma cuspida é Goipada
Frente de casa é Terreiro

Dar volta é Arrudiar
Confessar, Desembuchar
Quem trai alguém, Apunhala
Distraído é Aluado
Quem está mal, Tá Lascado
É assim que a gente fala

Aqui valer é Vogar
E quem não paga é Xexeiro
Quem dá furo é Fuleiro
E parir é Descansar
Um rastro é Pisunhada
A buchuda é Amojada
E pão-duro é Amarrado

Verme no bucho é Lombriga
Com raiva Tá Com a Bixiga
E com medo é Acuado
Tocar em algo é Triscar
O último é Derradeiro
E para trocar dinheiro
Nós falamos Destrocar

Tudo que é bom é Massa
O Policial é Praça
Pessoa esperta é Danada
Vitamina dá Sustança
A barriga aqui é Pança
E porrada é Cipoada

Alguém sortudo é Cagado
Capotagem é Cangapé
O mendigo é Esmolé
Quem tem pressa é Avexado
A sandália é Percata
Uma correia, Arriata
Sem ter filho é Gala Rala
O cascudo é Cocorote
E o folgado é Folote
É assim que a gente fala

Perdeu a cor é Bufento
Se alguém dá liberdade
Pra entrar na intimidade
Dizemos Dar Cabimento
Varrer aqui é Barrer
Se a calcinha aparecer
Mostra a Polpa da Bunda
Mulher feia é Canhão
Neco é pra negação
Nas costas, é na Cacunda

Palhaçada é Marmota
Tá doido é Tá Variando
Mas a gente conversando
Fala assim e nem nota
Cabra chato é Cabuloso
Insistente é Pegajoso
Remédio aqui é Meisinha
Chateado é Emburrado
E quando tá Invocado
Dizemos Tá Com a Murrinha

Não concordo, é Pois Sim
Tô às ordens é Pois Não
Beco ao lado é Oitão
A corrente é Trancilim
Ou Volta, sem o pingente
Uma surpresa é, Oxente!
Quem abre o olho Arregala
Vou Chegando, é pra sair
Torcer o pé, Desmintir
É assim que a gente fala

A cachaça é Meropéia
Tá triste é Acabrunhado
O bobo é Apombalhado
Sem qualidade é Borréia
A árvore é Pé de Pau
Caprichar é Dar o Grau
Mercado é Venda ou Bodega
Quem olha tá Espiando
Ou então, Tá Curiando
E quem namora Chumbrega

Coceira na pele é Xanha
E molho de carne é Graxa
Uma pelada é um Racha
Onde se perde ou se ganha
Defecar se chama Obrar
Ou simplesmente Cagar
Sem juízo é Abilolado
Ou tem o Miolo Mole
Sanfona também é Fole
E com raiva é Infezado

Estilingue é Balieira
Uma prostituta é Quenga
Cabra medroso é Molenga
Um baba ovo é Chaleira
Opinar é Dar Pitaco
Axilas é Suvaco
E cabra ruim é Mala
Atrás da nuca é Cangote
Adolescente é Frangote
É assim que a gente fala

Lugar longe aqui é Brenha
Conversa besta, Arisia
Venha, ande, é Avia
Fofoca é também Resenha
O dado aqui é Bozó
Um grande amor é Xodó
Demorar muito é Custar
De pernas tortas é Zambeta
Morre, Bate a Caçuleta
Ficar cheirando é Fungar

A clavícula aqui é Pá
Um mal-estar é Gastura
Um vento bom é Frescura
Ali, se diz, Acolá
Um sujeito inteligente
Muito feio ou valente
É o Cão Chupando Manga
Um companheiro é Pareia
Depende é Aí Vareia
Tic nervoso é Munganga

Colar prova é Filar
Brigar é Sair no Braço
Nosso lombo é Ispinhaço
Faltar aula é Gazear
Quem fala alto ou grita
Pra gente aqui é Gasguita
Quem faz pacote, Embala
Enrugado é Ingilhado
Com dor no corpo, Ingembrado
É assim que a gente fala

Um afago é Alisado
Um monte de gente é Ruma
Pra perguntar como, é Cuma
E bicho gordo é Cevado
A calça curta é Coronha
Um cabra leso é Pamonha
E manha aqui é Pantim
Coisa velha é Cacareco
O copo aqui é Caneco
E coisa pouca é Tiquim

Mulher desqualificada
Chamamos de Lambisgóia
Tudo que sobra, é Bóia
E muita gente é Cambada
O nariz aqui é Venta
A polenta é Quarenta
Mandar correr é Acunha
Ter um azar é Quizila
A bola de gude é Bila
Sofrer de amor, Roer Unha

Aprendi desde pivete
Que homem franzino é Xôxo
Quem é medroso é um Frouxo
E comprimido é Cachete
Sujeira em olho é Remela

Quem não tem dente é Banguela
Quem fala muito e não cala
Aqui se chama Matraca
Cheiro de suor, Inhaca
É assim que a gente fala

Pra dizer ponto final
A gente só diz: E Priu
Pra chamar é Dando Siu
Sem falar, Fica de Mal
Separar é Apartá
Desviar é Ataiá
E pra desmentir é Nego
Quem está desnorteado
Aqui se diz Ariado
E complicado é Nó Cego
Coisa fácil é Fichinha
Dose de cana é Lapada
Empurrão é Dá Peitada
E o banheiro é Casinha
Tudo pequeno é Cotoco
Vigi! Quer dizer, por pouco
Desde o tempo da senzala
Nessa terra nordestina
Seu menino, essa menina!
É assim que a gente fala

O nome do cordelista é Ismael Gaião da Costa, nasceu em Recife-PE.
Engenheiro Agrônomo, Funcionário Público Federal, lotado na UFRPE – Estação Experimental de Cana-de-açúcar de Carpina.
Publicou 20 (vinte) “Cordéis” e diversas poesias (sonetos, matutas, sociais).
É filiado à UNICORDEL – União dos Cordelistas de Pernambuco, na qual integra a equipe de Declamadores.
Assina a Coluna COLCHA DE RETALHOS, no JORNAL DA BESTA FUBANA – uma gazeta da bixiga lixa (Blog), Condado-PE, em 07 de maio de l961. Reside no (www.luizberto.com), publicando poesias, prosas e contos, diariamente.
Ganhador da 4ª RECITATA – 2009(concurso de poesia declamada) da Fundação de Cultura da Cidade do Recife, com nota 10 (dez) no Júri Popular, declamando a poesia MENINO DE RUA.
Ele tem um blog no seguinte endereço: http://recantodasletras.uol.com.br/autor.php?id=50436
E o endereço para o cordel é: http://recantodasletras.uol.com.br/cordel/1496943

Nota do Blog: Colado do blog de Casciano Vidal. Quê legal!



sábado, 16 de janeiro de 2010

PAISAGEM


sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

INÍCIO