sexta-feira, 18 de junho de 2010

A CASTANHOLA DE CASCUDO

Pouco mais de dez por cento restam das árvores nativas nas encostas das serras potiguares. Ipês roxos, azuis e amarelos praticamente extintos. Angicos e trapiás desaparecidos. Mororós, raridades. E o processo de assassinato das poucas matas restantes continua em acelerado ritmo de execução. Sem uma palavra de alerta. Sem um gesto de qualquer órgão defensor da natureza. Sem um lamento na grande imprensa.

Mas a retirada de uma castanhola senil, de tronco oco, beira da morte, causou furor e protesto na vida cultural da cidade. Uma cultura que vai tão bem, ao ponto de ter tempo para espernear em favor de uma única planta sem futuro.

Tudo porque Cascudo, num momento de pileque ou gozação, chamou-a de “a árvore da cidade”. A vetusta combretácea não merecia honra tão nobre.

Qual a serventia real das castanholas? Sombra? Há uma infinidade de árvores mais úteis com sombra melhor. Até mesmo o pau-brasil tem melhor currículo. Serve pra lembrar da ladra coroa portuguesa, que ao vir para o Brasil só trouxe um príncipe fujão, uma princesa promíscua, pardais e palmeira imperial. Por falar em palmeira imperial, essa é outra árvore sem qualquer serventia. O caule é um monstrengo, não dá frutos nem sombra e sua ornamentação fica para o olhar das nuvens. Oswaldo Lamartine me disse certa vez que a palmeira imperial carrega consigo uma maldição. Quando a parte verde do seu caule ultrapassa a cumeeira, alguém da casa adoece seriamente ou a família entra em declínio financeiro. A castanhola só serve para quebrar calçadas e atrair morcegos.

Fico imaginando a cena. Cascudo recebera um reparo de Hélio Galvão sobre a denominação de Fortaleza em vez de Forte. A sinonímia, das duas palavras, nos dicionários só vai até o alcance vernacular. No sentido histórico-militar Fortaleza e Forte não são sinônimos. A Fortaleza é uma praça fortificada, podendo ter vários fortes, com poder de fogo muito acentuado. O Forte é uma edificação única, com poder de fogo limitado. O “Reis Magos” é um forte, não uma fortaleza.

Cascudo vem do mangue, na boléia da camioneta de Roberto Freire, ao lado de Luiz de Barros. Passam pela frente dos Correios, dobram pela Alfândega à esquerda e param no início da Duque de Caxias, donde se vê o Banco do Brasil. Desce do carro, acende um charuto, olha para uma castanhola, que cisma de continuar verde no calçamento, e brada: “Para quem duvida das fontes de Cascudinho, eu nomeio essa castanhola solitária a Árvore da Cidade. Uma é símbolo da outra que não consagra nem desconsagra ninguém”.

Hélio Galvão não tomou conhecimento. Nem Esmeraldo Siqueira. Mas Cascudo, merecidamente, virou celebridade mundial. E a castanhola virou “árvore da cidade”, o que não quer dizer coisa nenhuma. O Machadão não é o poema de concreto?

Tudo numa terra onde o símbolo cultural vale mais do que a cultura propriamente considerada. Té mais.
 
François Silvestre

OBRA E PLANEJAMENTO

Não se pode negar a importância dessa obra de adutoras para o abastecimento de água potável onde a escassez é secular. Não se nega. Porém, só o transporte da água não resolve o problema. Ou cria outros problemas.

Vejamos o caso da adutora do Alto Oeste. A barragem de Santa Cruz, no Apodi, será a fonte fornecedora de água para várias cidades. Beneficiando um número considerável da população. Tudo bem. E a pergunta: A água transportada será de boa qualidade? Hoje é. E amanhã? À montante do reservatório há um grande número de pequenas e médias cidades que não possuem nenhum sistema de tratamento sanitário. Todas elas jogando lixo e merda no leito do rio Mossoró/Apodi, que abastece a barragem. Os seiscentos milhões de metros cúbicos da sua capacidade hídrica não serão suficientes para a diluição dessa sujeira toda, principalmente após a vazão das adutoras e programas de irrigação. Acentuado-se o agravamento do problema no ano de inverno escasso. As únicas cidades que estão promovendo obras de tratamento sanitário são Viçosa e Riacho da Cruz. Exatamente as duas menores.

O rio principal da bacia passa na área urbana de Pau dos Ferros, a maior cidade da tromba. Ele é o esgoto natural da cidade. Ou se inicia urgentemente um processo de tratamento sanitário a partir de Pau dos Ferros, em todo o caminho do Rio Apodi, ou o sistema de adutora do Alto Oeste será num futuro próximo o condutor moléstias em vez de ser o semeador das águas.

Daí porque só a obra das adutoras não é suficiente. Posso tranquilamente afirmar que ela fará muito mais mal à população, sem a prevenção sanitária, do que deixar o atropelo da escassez d’água com se encontra.

A nojeira disso tudo é que o poder só pensa nas eleições. A adutora com seus grossos canos, margeando as estradas, é uma coletora de votos. A visibilidade produz propaganda sem necessidade de outros custos. O saneamento não tem visibilidade. O eleitor, também culpado e responsável por essa prática, não se dá o respeito de informar-se do que não vê. E vai feito boiada tocada pelos tambores da enganação, muitas vezes ou quase sempre se vendendo por favores que são financiados pelo seu próprio dinheiro, ou seja, a grana pública. Que de tão “pública” é distribuída para azeitar eleições e desfibrar um povo ainda em formação; pré-povo.

Saneamento é vacina genérica, que não precisa furar o braço nem amargurar a língua. Ainda está em tempo. Mas não sobra tempo. Ou se faz isso, como obra agregada, no programa completo, ou se transfere para o amanhã, quase hoje, um problemão bem mais vistoso do que cada cano da adutora. E aí talvez não haja mais tempo.

Se não houve planejamento para a prevenção e a manutenção da qualidade potável da água, urge fazê-lo.

Pior do que a sede é a água temperada com lixo e fezes. Té mais.
 
François Silvestre

Rubens Lemos

CRAQUE EM PRIMEIRO LUGAR .


Recebe a pecha de ultrapassado(no mínimo), quem defende, por convicção, o talento em primeiro lugar. O brilho de um estilo, o sol de uma virtude, a elegância de um especialista. Hoje, segue como entulho mais indesejado ao armário dos esquecimentos, quem valoriza e exalta a superioridade do craque.


Em qualquer campo, de futebol ou de vida, haverá alguém a ser olhado com a expectativa da cortina a ser aberta, da interpretação mágica num filme, do drible sensual e do chute, com efeito, gol feito sutilmente, devagar, ritmo da bola em perfeito compasso com o do coração dominado. Delícia de orgasmo.


Não é preciso ser diferente para apreciar os que estão acima da média. Basta ter a humildade de medir a exatidão dos seus limites. É o que faço, até como um mantra a me acompanhar todos os dias.


Só os craques se adaptam sem se acomodar, improvisam, saltando, soberanos, do capim morto do lugar-comum, para o verde brotado da chuva, das imediações dos açudes inspiradores da poesia.


Acabo de encerrar um livro. Não mais um. O. Livro que é livro é aquele que se faz locutor mudo da grandeza das palavras simples, bonitas, tecidas, polidas com a paciência dos ourives em seus diamantes.

É Esmeralda, o Crime no Santuário do Lima, de François Silvestre. Emociona os regionalistas, contagia quem faz da leitura, companhia, do romance, novela de imaginação fértil. Tão mágico, que segura a atenção muito depois do além-fim.


François, do alto da Serra do Martins, inspirado pela ilha de temperatura amena, no arquipélago de calor oestano, produziu uma peça. Literária. Sem arrogâncias ou boçalidades, tão anti-holofote que nem lançamento em livraria fez. Comprei numa banca. O último exemplar que tinha.


O François, que um dia, rebelde contra a Ditadura Militar, foi escalado para a editoria de esportes de um jornal, a Tribuna, junto com um velho amigo e irmão de luta(ainda havia, sim, idealismo), ligado a mim por amor e sangue. Era no esporte que se exilavam os inconformados com a repressão.

O François, que sem acompanhar pouco ou nada de futebol em 1973, construiu, o que até hoje é o melhor texto sobre Alberi, Deus das alegrias libertárias das gerais e arquibancadas do elefante.

Os dois eram craques, os dois se entenderam.

Assim se eternizam.

EM CAJUAIS DA SERRA

Entrevista com Chico Preá.

O repórter da Revista Tijuaçu descobriu, não sei como, que Chico Preá estava em Cajuais da Serra. Não disse que era uma entrevista. Puxou conversa e começou a perguntar.

Revista Tijuaçu- Como você vê a política do Brasil? Chico Preá- Tapo o nariz e arregalo o olho. RT- O que é a Esquerda? CP- Uma merda. RT- E a Direita? CP- Uma fossa. RT- O que é a poesia? CP- Nem os poetas sabem. RT- Pra que serve a literatura? CP- Pra tirar o gosto, quando a vida vira um porre. RT- O que é a vida? CP- Uma viagem de trem. RT- Quem foi Cristo? CP- Quem foi eu não sei. Mas hoje ele é a botija dos espertos. RT- Quem foi Marx? CP- Um gênio desperdiçado. RT- O que são as igrejas? CP- Balcões de receber grana, sem recolher impostos. RT- O que é a fé? CP- Um repelente de angústias. RT- O que é a ignorância? CP- A erudição dos pedantes. RT- O que é erudição? CP- Um mealheiro de informações. RT- Pra que serve a leitura? CP- Pra sossegar o quengo. RT- O que é a imprensa? CP- Uma lata de siri. RT- O que é a mídia? CP- Um tonel de siri. RT- O que é a cultura? CP- A alma coletiva. RT- O que é povo? CP- Um molusco sem o lê. RT- O que é a Pátria? CP- Coturno e tarol nas ruas do dia sete. RT- O que é a verdade? CP- O silêncio. RT- O que é um clichê? CP- O michê da ignorância. RT- Quem foi Einstein? CP- Um gênio aproveitado. RT- E Newton? CP- Um gênio substituído. RT- O que é a música? CP- O ruído organizado. RT- O que é a justiça? CP- Uma ilusão togada. RT- O que é um intelectual? CP- Individuo estudioso que pensa ser segredo dele o conhecimento adquirido. RT- O que é um filósofo? CP- Um sujeito que briga com ele mesmo. RT- O que é a inveja? CP- O coma moral. RT- O que é um romance? CP- Uma história longa, que enfada os maus leitores. RT- O que é um bom livro? CP- Aquele que você chega à última página. RT- E um livro excelente? CP- Aquele que levará você de volta à primeira página. RT- O que é um crítico? CP- Um observador rigoroso, que valoriza a arte mesmo se não gostar dela. RT- O que é a história? CP- O curral da espécie humana. RT- O que é um jovem? CP- Um projeto de velho. RT- E o que é um velho? CP- Um sobrevivente da ilusão. RT- O que é a morte? CP- O retorno ao antes da vida. RT- O que é o Estado? CP- Um armazém de burocratas. RT- O que é Governo? CP- Um síndico que não presta contas aos condôminos. RT- O que é um leitor? CP- O único alvo da literatura. RT- O que é um candidato? CP- Uma simpatia bissexta. RT- E o eleitor? CP- Um cúmplice da enganação. RT- O que é a amizade? CP- A relação humana que dispensa o desejo, o interesse ou a cobrança. RT- E a inimizade? CP- A única relação humana completamente honesta. RT- Pra encerrar, diga um sonho. CP- Nunca ser preciso tirar documentos.

Nisso, já bêbado o repórter, Chico Preá esporou Suspiro e se mandou. Té mais.
 
François Silvestre