sábado, 1 de janeiro de 2011

O MIRANTE MÃE GUILÉ

François Silvestre

Após dois anos de uma obra construída lentamente, está pronto e entregue ao público o Mirante Mãe Guilé, posto no cume de uma grota da Bela Vista, distrito de Lagoa Nova, na serra do Martins.

Do alto daquela grota, Mário de Andrade, em fins dos anos vinte, do século passado, disse a Câmara Cascudo: “Esta serra me lembra Petrópolis”. E cascudo respondeu: “Não. Petrópolis é que lembra a serra do Martins”. Esse diálogo foi narrado a Manoel Onofre Jr. pelo próprio Cascudo.

Pois bem. A inauguração deu-se no último dia dezoito deste mês. Agora eu sou apenas mais um cliente do Mirante, que foi arrendado a uma micro-empresa que o tocará com serviço de bar e restaurante. É mais uma alternativa de uso público para quem deseja conhecer ou revisitar as belezas do lugar. E também para usufruto dos nativos e moradores da serra.

A parte mais alta do Mirante está a oito metros e sessenta centímetros acima da grota. E esta à cerca de setecentos e sessenta e cinco metros do nível do mar.

À noite derramam-se as luzes de várias cidades e comunidades do sertão. Donde se vê dentre outras as cidades do Martins, Patu, Rafael Godeiro, Messias Targino, Campo Grande, Caraúbas, Umarizal, Olho D’água, Riacho da cruz, Itaú, Severiano Melo, Apodi e a iluminação de pequenos arruados. É uma paisagem deslumbrante.

Do cume do Mirante, o por do sol banha de cinza e vermelho a parte posterior do ambiente. O nascer da lua cheia, por trás do monte dos Picos é indescritível. Não há um só momento em que a paisagem se repita. Nem de dia nem de noite. A mudança constante das nuvens, modelando e repintando as cores do sertão e das serras. Momento de sol encandeante cedendo lugar para uma névoa fria. Hora de claridade marcante subitamente trocada por uma cinza que encobre a distância.

A festa de inauguração foi um êxito completo. A Filarmônica Nair Soares e o sax de Bobó deram as boas vindas aos presentes. Muita gente. Boníssima gente. Da terra e de longe. Sou um afortunado de amizades. Onde não há amizade se hospeda a amargura.

Muitos não puderam vir, mas telefonaram desejando sucesso e prometendo visita.

Não troco o afeto da família e dos amigos por nenhuma dádiva das ilusórias fanfarras patrimoniais. Seja de bens ou de fama. Tudo falso! Cada amigo meu vale muito mais do que pode a ilusão da grana.

É aos amigos que dedico este texto. E cada um deles vai se identificar aqui, na certeza de que a insinceridade não se elenca no rol dos meus defeitos. E que ocupem comigo o vasto e franco colo de Mãe-Guilé.

Os que não puderam vir que venham logo. Os que vieram, voltem breve. O convite foi geral e é permanente. “amigo é feito casa que se faz aos poucos”. Como registraram os “amostrados” Aluísio e Graça. Té mais.




















quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

AS GROTAS CONDENADAS

François Silvestre


O Mirante de Mãe Guilé, que será inaugurado no dia Dezoito Desbrumário, será um palanque da natureza exposto à visitação pública sobre a sacanagem da população local e a omissão oficial com a destruição do meio ambiente numa pequenina e bela serra de um pedaço de terra abandonado pelo poder público e destruído por seus habitantes.

A população de Martins, população e não povo, pois isso aqui não há, nas últimas cinco décadas, vem num processo acelerado e celerado de destruição da sua moradia. É uma coisa quase indescritível. São caçadores, broqueiros, gaioleiros e outros tipos de duendes do mal. Da fauna típica da serra restam pouquíssimas espécies.

Da vegetação, na chã e nas grotas, nada escapa ao espírito destruidor e predador sem freio e sem controle. A paisagem arquitetônica dos tempos de minha infância há muito foi desmontada ou deformada. Só escapa alguma edificação quando dela toma posse algum maluco conservador.

As queimadas nas grotas, para plantar milho e feijão, culturas não vocacionais da serra, onde cada roçado não produz nem para uma canjicada de Eraldo Porciúncula, transforma a serra numa chaga de catapora descendo e subindo as grotas. Do Mirante, esse quadro é estarrecedor. Que inveja dos habitantes de Guaramiranga. Gente que zela por sua casa.

Dos dezessete olhos d’água que acompanhavam a dobrada da serra desde a Pedra Rajada, passando por lagoa Nova e chegando até a descida da estrada para o sertão, só restam três.

Catorze foram mortos pelas queimadas e a sequidão que elas produzem. Inanição das aguadas, escassez de inteligência e carência de dignidade ecológica.

Tudo agasalhado, protegido, premiado pela cumplicidade do poder público. Prefeitura e Câmara de Vereadores. Elaborei há alguns anos um projeto de lei de Proteção ambiental do município. Fizemos uma reunião na Câmara. Todos os vereadores estavam presentes. Todos concordaram com a Lei. Só na conversa. Apareceram os eleitores das caças, dos broques e das gaiolas. A lei, “muito elogiada”, foi para a gaveta onde deve estar até hoje. Se não foi para o lixo.

Aqui não tem Procuradoria do Patrimônio nem do meio Ambiente. Não tem IBAMA. Não tem IDEMA. As letras maiúsculas não são de respeito, são de ironia. A inutilidade não merece respeito.

Um Estado tão pequeno de território não precisava ser menor ainda de administração pública. Estadeco.

Logo, logo, essas serras potiguares serão desertos escavados em lombadas de saudosos vulcões que deveriam ter transformado esse paquiderme de merda numa grande e perfumada fossa.

Pensa você, meu caro leitor, que eu estou cansado? Engana-se. Tô cansado dessa gente. Da luta, não.

Dela só cansarei no despejo da vida.. Vou continuar apontando patifes e patifarias. Companheiro de cada sagüi atingido de morte. Do sanhaçu deserdado da liberdade e de cada ipê sangrando no fogo. Té mais.

domingo, 7 de novembro de 2010

PROFISSÃO

François Silvestre
Se for a de ganhar a vida, fazer a feira, bancar a fisiologia orgânica (a necessária e boa, não a fisiologia política) sou Procurador. Não sou advogado, stricto sensu. Tenho apenas um cliente que é o Estado e a fazenda pública estadual.

Se for a que me produz um conhecimento com outros mundos e pessoas várias, me empurra para a imaginação e construção dos meus personagens e o mundo que eu controlo, sou escritor.

Mas a verdade verdadeira mesmo é que nenhuma dessas é a minha profissão de felicidade. Da alegria de viver, que é tão somente tentar manter parte do mundo e da vida que os olhos de criança fotografaram e não revelaram para os olhos dos outros, só há uma profissão que me assegura esse prazer. E é o que eu sou. Apenas um jardineiro.

A memória da mais robusta e próxima condição de ser feliz vem de um curto período da minha infância no jardim da casa da minha avó. Intervalo entre a morte do meu pai adotivo e o assassinato do meu pai legítimo.

O jardim de Mãe-Guilé tinha um conluio com ela que parece mentira de contar. Se um resedá murchasse, bastava o afago de suas mãos molhadas para no dia seguinte soltar rebentos de brotos. Era de lá que se abastecia a igreja matriz da cidade, com flores de todas as cores enfeitando os altares.

Às vezes fico pensando que a minha vida não tem sido muito mais do que a tentativa de recriar aquele jardim.

Até a edificação do mirante que leva seu nome, agora descubro, foi um pretexto para procriar um jardim. Os jardins são paridos, da mesma forma que as crianças. Mesmo que o parto seja bem diferente.

Um jardim não tem começo, meio nem fim. Cada planta do seu corpo é tempo e espaço. Diferente do museu, guarda o futuro. Semelhante à biblioteca, não sobrevive ao dono.

As plantações dos condomínios, dos hotéis de luxo, das praças públicas são arborizações ornamentais. Não são jardins. O jardim é o noivo da natureza, diferentemente do noivado humano é ele que chega atrasado à cerimônia. Ou melhor, nunca chega. Porque o jardim nunca pára de nascer.

Quando a chibanca abriu a primeira vala da fundação do mirante, abriu-se também a terra para receber a primeira muda de flores. E na companhia de coqueiros, mangueiras e cajueiros foram crescendo sete-léguas, malvões, ipoméias, dedais, camarões, trombeteiras, murtas, manacás, buganviles, roseiras, camarás, guarnecidas todas pelo cerco dos cassis.

Assim está nascendo o jardim do mirante. Que disputará uma luta inglória com a beleza da paisagem de se ver ao longe, em camadas do azul, as silhuetas de várias cidades. De dia as formas que o sol modula, diferente a cada hora. À noite, o frevar das luzes imitando as estrelas e inventando dois céus. Um em baixo, perto dos olhos. Outro em cima, perto do sonho. Té mais.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

DE RICARDO LEMOS

Caro François;

Boa noite e bom frio de agosto, coisa rara e boa.

Já te disse o quanto gostei de Esmeralda. E gostei tanto que indico, reendico

e adotei como presente para amigos e leitores exigentes por esse país afora.

Tenho espalhado Esmeralda com muito prazer e uma ponta afiada de orgulho.

Mas o bom é que os que recebem aderem ao espalhamento e assim vai Esmeralda

espalhando nosso sertão. Agora mesmo, de partida para uns dias em SP levo dois

no matulão. Ambos a pedidos e como encomendas recomendadas com o peso e

o valor de presentes do dia dos pais.

Deu trabalho pra achar. Na Siciliano, depois de correr olho nas prateleiras, recorri

a atendente que afirmou haver em estoque. Não achando, recorreu ao computador.

E confirmando o estoque zero estranhou e disse;

- ...estranho. Era para ter; a moça trouxe muitos da última vez.

Respondi que adorei a informação e acho que ela não entendeu, porque sai mais

satisfeito do que se tivesse achado. Fui achar na Banca da Afonso Pena e trouxe

os últimos. Senão ia o meu mesmo...

Bote Esmeralda na rua, amigo, que é mercadoria fina, rara e deliciosa.

Mas vou te deixar em paz, torcendo pro Sr. parir logo outro mimo pra nós.

Abraços e inté a cerveja que nos devemos - com o mestre Lau, de preferência.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A CASTANHOLA DE CASCUDO

Pouco mais de dez por cento restam das árvores nativas nas encostas das serras potiguares. Ipês roxos, azuis e amarelos praticamente extintos. Angicos e trapiás desaparecidos. Mororós, raridades. E o processo de assassinato das poucas matas restantes continua em acelerado ritmo de execução. Sem uma palavra de alerta. Sem um gesto de qualquer órgão defensor da natureza. Sem um lamento na grande imprensa.

Mas a retirada de uma castanhola senil, de tronco oco, beira da morte, causou furor e protesto na vida cultural da cidade. Uma cultura que vai tão bem, ao ponto de ter tempo para espernear em favor de uma única planta sem futuro.

Tudo porque Cascudo, num momento de pileque ou gozação, chamou-a de “a árvore da cidade”. A vetusta combretácea não merecia honra tão nobre.

Qual a serventia real das castanholas? Sombra? Há uma infinidade de árvores mais úteis com sombra melhor. Até mesmo o pau-brasil tem melhor currículo. Serve pra lembrar da ladra coroa portuguesa, que ao vir para o Brasil só trouxe um príncipe fujão, uma princesa promíscua, pardais e palmeira imperial. Por falar em palmeira imperial, essa é outra árvore sem qualquer serventia. O caule é um monstrengo, não dá frutos nem sombra e sua ornamentação fica para o olhar das nuvens. Oswaldo Lamartine me disse certa vez que a palmeira imperial carrega consigo uma maldição. Quando a parte verde do seu caule ultrapassa a cumeeira, alguém da casa adoece seriamente ou a família entra em declínio financeiro. A castanhola só serve para quebrar calçadas e atrair morcegos.

Fico imaginando a cena. Cascudo recebera um reparo de Hélio Galvão sobre a denominação de Fortaleza em vez de Forte. A sinonímia, das duas palavras, nos dicionários só vai até o alcance vernacular. No sentido histórico-militar Fortaleza e Forte não são sinônimos. A Fortaleza é uma praça fortificada, podendo ter vários fortes, com poder de fogo muito acentuado. O Forte é uma edificação única, com poder de fogo limitado. O “Reis Magos” é um forte, não uma fortaleza.

Cascudo vem do mangue, na boléia da camioneta de Roberto Freire, ao lado de Luiz de Barros. Passam pela frente dos Correios, dobram pela Alfândega à esquerda e param no início da Duque de Caxias, donde se vê o Banco do Brasil. Desce do carro, acende um charuto, olha para uma castanhola, que cisma de continuar verde no calçamento, e brada: “Para quem duvida das fontes de Cascudinho, eu nomeio essa castanhola solitária a Árvore da Cidade. Uma é símbolo da outra que não consagra nem desconsagra ninguém”.

Hélio Galvão não tomou conhecimento. Nem Esmeraldo Siqueira. Mas Cascudo, merecidamente, virou celebridade mundial. E a castanhola virou “árvore da cidade”, o que não quer dizer coisa nenhuma. O Machadão não é o poema de concreto?

Tudo numa terra onde o símbolo cultural vale mais do que a cultura propriamente considerada. Té mais.
 
François Silvestre

OBRA E PLANEJAMENTO

Não se pode negar a importância dessa obra de adutoras para o abastecimento de água potável onde a escassez é secular. Não se nega. Porém, só o transporte da água não resolve o problema. Ou cria outros problemas.

Vejamos o caso da adutora do Alto Oeste. A barragem de Santa Cruz, no Apodi, será a fonte fornecedora de água para várias cidades. Beneficiando um número considerável da população. Tudo bem. E a pergunta: A água transportada será de boa qualidade? Hoje é. E amanhã? À montante do reservatório há um grande número de pequenas e médias cidades que não possuem nenhum sistema de tratamento sanitário. Todas elas jogando lixo e merda no leito do rio Mossoró/Apodi, que abastece a barragem. Os seiscentos milhões de metros cúbicos da sua capacidade hídrica não serão suficientes para a diluição dessa sujeira toda, principalmente após a vazão das adutoras e programas de irrigação. Acentuado-se o agravamento do problema no ano de inverno escasso. As únicas cidades que estão promovendo obras de tratamento sanitário são Viçosa e Riacho da Cruz. Exatamente as duas menores.

O rio principal da bacia passa na área urbana de Pau dos Ferros, a maior cidade da tromba. Ele é o esgoto natural da cidade. Ou se inicia urgentemente um processo de tratamento sanitário a partir de Pau dos Ferros, em todo o caminho do Rio Apodi, ou o sistema de adutora do Alto Oeste será num futuro próximo o condutor moléstias em vez de ser o semeador das águas.

Daí porque só a obra das adutoras não é suficiente. Posso tranquilamente afirmar que ela fará muito mais mal à população, sem a prevenção sanitária, do que deixar o atropelo da escassez d’água com se encontra.

A nojeira disso tudo é que o poder só pensa nas eleições. A adutora com seus grossos canos, margeando as estradas, é uma coletora de votos. A visibilidade produz propaganda sem necessidade de outros custos. O saneamento não tem visibilidade. O eleitor, também culpado e responsável por essa prática, não se dá o respeito de informar-se do que não vê. E vai feito boiada tocada pelos tambores da enganação, muitas vezes ou quase sempre se vendendo por favores que são financiados pelo seu próprio dinheiro, ou seja, a grana pública. Que de tão “pública” é distribuída para azeitar eleições e desfibrar um povo ainda em formação; pré-povo.

Saneamento é vacina genérica, que não precisa furar o braço nem amargurar a língua. Ainda está em tempo. Mas não sobra tempo. Ou se faz isso, como obra agregada, no programa completo, ou se transfere para o amanhã, quase hoje, um problemão bem mais vistoso do que cada cano da adutora. E aí talvez não haja mais tempo.

Se não houve planejamento para a prevenção e a manutenção da qualidade potável da água, urge fazê-lo.

Pior do que a sede é a água temperada com lixo e fezes. Té mais.
 
François Silvestre

Rubens Lemos

CRAQUE EM PRIMEIRO LUGAR .


Recebe a pecha de ultrapassado(no mínimo), quem defende, por convicção, o talento em primeiro lugar. O brilho de um estilo, o sol de uma virtude, a elegância de um especialista. Hoje, segue como entulho mais indesejado ao armário dos esquecimentos, quem valoriza e exalta a superioridade do craque.


Em qualquer campo, de futebol ou de vida, haverá alguém a ser olhado com a expectativa da cortina a ser aberta, da interpretação mágica num filme, do drible sensual e do chute, com efeito, gol feito sutilmente, devagar, ritmo da bola em perfeito compasso com o do coração dominado. Delícia de orgasmo.


Não é preciso ser diferente para apreciar os que estão acima da média. Basta ter a humildade de medir a exatidão dos seus limites. É o que faço, até como um mantra a me acompanhar todos os dias.


Só os craques se adaptam sem se acomodar, improvisam, saltando, soberanos, do capim morto do lugar-comum, para o verde brotado da chuva, das imediações dos açudes inspiradores da poesia.


Acabo de encerrar um livro. Não mais um. O. Livro que é livro é aquele que se faz locutor mudo da grandeza das palavras simples, bonitas, tecidas, polidas com a paciência dos ourives em seus diamantes.

É Esmeralda, o Crime no Santuário do Lima, de François Silvestre. Emociona os regionalistas, contagia quem faz da leitura, companhia, do romance, novela de imaginação fértil. Tão mágico, que segura a atenção muito depois do além-fim.


François, do alto da Serra do Martins, inspirado pela ilha de temperatura amena, no arquipélago de calor oestano, produziu uma peça. Literária. Sem arrogâncias ou boçalidades, tão anti-holofote que nem lançamento em livraria fez. Comprei numa banca. O último exemplar que tinha.


O François, que um dia, rebelde contra a Ditadura Militar, foi escalado para a editoria de esportes de um jornal, a Tribuna, junto com um velho amigo e irmão de luta(ainda havia, sim, idealismo), ligado a mim por amor e sangue. Era no esporte que se exilavam os inconformados com a repressão.

O François, que sem acompanhar pouco ou nada de futebol em 1973, construiu, o que até hoje é o melhor texto sobre Alberi, Deus das alegrias libertárias das gerais e arquibancadas do elefante.

Os dois eram craques, os dois se entenderam.

Assim se eternizam.