domingo, 7 de novembro de 2010

PROFISSÃO

François Silvestre
Se for a de ganhar a vida, fazer a feira, bancar a fisiologia orgânica (a necessária e boa, não a fisiologia política) sou Procurador. Não sou advogado, stricto sensu. Tenho apenas um cliente que é o Estado e a fazenda pública estadual.

Se for a que me produz um conhecimento com outros mundos e pessoas várias, me empurra para a imaginação e construção dos meus personagens e o mundo que eu controlo, sou escritor.

Mas a verdade verdadeira mesmo é que nenhuma dessas é a minha profissão de felicidade. Da alegria de viver, que é tão somente tentar manter parte do mundo e da vida que os olhos de criança fotografaram e não revelaram para os olhos dos outros, só há uma profissão que me assegura esse prazer. E é o que eu sou. Apenas um jardineiro.

A memória da mais robusta e próxima condição de ser feliz vem de um curto período da minha infância no jardim da casa da minha avó. Intervalo entre a morte do meu pai adotivo e o assassinato do meu pai legítimo.

O jardim de Mãe-Guilé tinha um conluio com ela que parece mentira de contar. Se um resedá murchasse, bastava o afago de suas mãos molhadas para no dia seguinte soltar rebentos de brotos. Era de lá que se abastecia a igreja matriz da cidade, com flores de todas as cores enfeitando os altares.

Às vezes fico pensando que a minha vida não tem sido muito mais do que a tentativa de recriar aquele jardim.

Até a edificação do mirante que leva seu nome, agora descubro, foi um pretexto para procriar um jardim. Os jardins são paridos, da mesma forma que as crianças. Mesmo que o parto seja bem diferente.

Um jardim não tem começo, meio nem fim. Cada planta do seu corpo é tempo e espaço. Diferente do museu, guarda o futuro. Semelhante à biblioteca, não sobrevive ao dono.

As plantações dos condomínios, dos hotéis de luxo, das praças públicas são arborizações ornamentais. Não são jardins. O jardim é o noivo da natureza, diferentemente do noivado humano é ele que chega atrasado à cerimônia. Ou melhor, nunca chega. Porque o jardim nunca pára de nascer.

Quando a chibanca abriu a primeira vala da fundação do mirante, abriu-se também a terra para receber a primeira muda de flores. E na companhia de coqueiros, mangueiras e cajueiros foram crescendo sete-léguas, malvões, ipoméias, dedais, camarões, trombeteiras, murtas, manacás, buganviles, roseiras, camarás, guarnecidas todas pelo cerco dos cassis.

Assim está nascendo o jardim do mirante. Que disputará uma luta inglória com a beleza da paisagem de se ver ao longe, em camadas do azul, as silhuetas de várias cidades. De dia as formas que o sol modula, diferente a cada hora. À noite, o frevar das luzes imitando as estrelas e inventando dois céus. Um em baixo, perto dos olhos. Outro em cima, perto do sonho. Té mais.

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